Construção de um Lote
Para um enólogo, independentemente do tipo de vinhos que faça, existem dois momentos chave, durante um ano vínico. A concepção dos esquemas de vinificação e a realização dos lotes. Tem de demonstrar aqui, toda a sua inspiração, talento, experiência e conhecimento. É onde a capacidade de análise e a assertividade se mostram com maior afinco. De tal forma, que não existem procedimentos preestabelecidos (nem podem haver!). No entanto cada enólogo desenvolve o seu método com base no seu percurso e na sua adaptação face às aprendizagens. É um processo mental e logo, diferenciador.
Começo pelos lotes. Para mim, POR AGORA, a coisa dá-se assim:
Inicio com a identificação dos ajustes necessários por exigência de mercado, inovação técnica ou simplesmente, por vontade do produtor. É importante ter em conta as modificações a operar no produto antes de lhe começar a mexer!
Posto isto, provo todas as colheitas passadas (a dita prova vertical). Ajuda a complementar a reflexão para as mudanças e dá-me mais umas dicas, quanto ao acabamento do vinho, colagens, etc. É aqui também que revejo notas ou provo ensaios. Numa empresa onde se pretende criar prestígio, não podemos, a meu ver, dissociar a marca do seu histórico a cada nova colheita. Esta análise, juntamente com a introdução faseada de mudanças é uma condição sine qua non. Mais, ajuda a centrar a atenção na marca, e não na honra e glória pessoal!
Uma vez recolhida toda a informação, provo todos os vinhos passíveis de integrarem o novo lote e, com base nos volumes disponíveis, faço um esforço por imaginar o seu impacto no conjunto. Para os mais familiarizados com o processo, isto pode parecer um pouco desnecessário e até desajustado, na medida em que, organolepticamente um vinho marca um lote de forma diferente da sua influência química. Quero com isto dizer que, quimicamente, misturamos 500l de um vinho com 13% de álcool com outros 500l com 12%, e obtemos seguramente 1000l de um vinho com 12,5%. Organolepticamente, podemos ter 500L em 5000L a marcar mais do que os 10% atribuíveis à proporcionalidade. Se o faço é somente como forma de projectar o possível lote, resultando normalmente nas primeiras combinações que se testam! Com o tempo, pelo exercício, as previsões serão cada vez mais assertivas.
Convém salientar aqui que, o histórico destes outros vinhos (os que se utilizam para o novo lote), embora pequeno, não pode ser retalhada nos seus momentos. Ou seja, não concebo a ideia de, uma vez na sala de provas, de frente para as amostras, esquecer tudo pelo que passou cada um deles, todas as decisões tomadas, todas as provas realizadas e, mais importante ainda, toda e qualquer escolha feita antes e durante a Vindima. Não dá, a meu ver, para fazer escolhas perfeitas quando se prova cada um destes vinhos apenas uma vez. Desculpem-me a comparação, mas é como escolher para casar uma pessoa que nunca vimos, somente na base no rebolanço de uma noite.
A partir daqui, é agarrar num ficheiro exel que me faz as continhas das percentagens e me permite ter uma noção dos parâmetros do vinho final (Cf. Figura 1), uma proveta de 100 ml e um punhado de copos lavados. Dizem as “normas” que não deve usar-se música. Eu gosto de colocar um fundo musical, normalmente de um nível de erudição semelhante ao vinho que estou a lotear. Provavelmente porque me ajuda a relaxar e a desviar a atenção de todos os ruídos e sonsinhos da adega.
Só no fim de ter escolhido o “meu” lote e estar seguro dos motivos pelo qual o fiz, costumo abrir a porta a novos provadores. Tomo a decisão final sempre com o produtor, mas quando parto para esta fase, já levo o meu lote definido na cabeça pois sei que me deixo influenciar com facilidade.
Sou democrático na escolha do lote definitivo, e se não ganha o meu, normalmente, faço umas garrafas com a combinação que queria para ir abrindo e ver como vão evoluindo as diferentes escolhas!
O ensaio, sempre o ensaio! ;)
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Muito obrigado!