Espumante, nectar dos Homens.
De todas as variantes desta nossa bebida, o espumante, é aquela por quem nutro maior admiração. É, dos que conheço, o tipo vinho mais improvável, nasce das mais estranhas condições e tem, ao contrário do que se pensa, autorias repartidas.
Se atentarmos à sua história de forma apaixonada, facilmente encontramos lições de perseverança, visão, proactividade e muito estudo.
André Simon, “explicou-me” que na fria região de champanhe plantou-se vinha com o intuito de concorrer com Bordéus no fornecimento à capital. A proximidade seria a sua arma (lembrem-se que naquela altura o transporte eram carroça e barrica). Este facto explica a plantação de duas castas tintas (pinot noir e pinot meunier) e uma branca (chardonnay). A coisa não correu lá muito bem, pois o frio não deixava amadurecer as uvas em condições. Baixas graduações, pouca cor, acidez altíssima, deveriam ser descritores desses primeiros vinhos. Um grande problema era também o facto de na maior parte das colheitas, o vinho parar a fermentação com a chegada do Outono retomando-a somente na primavera seguinte. Chato e muito complicado, pois imagino que, se não se estragavam no entretanto (altas concentrações de açúcar, fracas condições de assepsia) seria mesmo pelos baixíssimos pH e pela temperatura.
A história e as subsequentes estórias foram adulterando a verdade e hoje é tido como certo, para qualquer mancebo enófilo, que Dom Pérignon foi o inventor das bolhas. Nada mais errado. O trabalho do monge beneditino foi no sentido de perceber os fenómenos que levavam os vinhos a parar a fermentação e a recomeçar com origem das “malditas” bolinhas de gás (inicialmente vistas como defeito). Quem “descobriu” as bolhas foram os clientes destas explorações (ingleses maioritariamente), que compravam o vinho durante o inverno e o colocavam em garrafas. Ora, quando o tempo aquecia, a fermentação recomeçava e como não havia por onde escapar permanecia junto com o vinho. Inicialmente o mestre da adega de Hautvillers trabalhou no sentido de aprender a domar os vinhos, mas o mercado gostou e puff, fez-se o Champanhe.
De lá para cá muita coisa mudou, o champanhe que se bebia nos primeiros tempos é seguramente diferente do que se bebia no tempo da viúva (Clicquot) que fez buracos na mesa da cozinha para conseguir retirar os restos de levedura das garrafas e claramente diferente do que se bebe hoje.
A história desta bebida tem hoje contributos de todas as partes do mundo e é, seguramente dos tipos de vinho onde existe mais estudo.
Para mim, seduz-me a delicadeza da sua produção. É um vinho que desmascara o mau trabalho a cada passo, pois mantém-se desprotegido (sem adição de Sulfuroso) até à rolhagem final. É um vinho que requer certezas na produção. Decisões claras e concisas, pois entendo que o resultado é tanto melhor quanto mais cedo forem definidas o seu histórico. A maturação que uso num espumante para estagiar 1 ano não é igual a uma outra para um vinho que dormirá 10. Os trabalhos durante a vindima, também não.
Enfim, sendo o vinho uma bebida divina, criada de e para gáudio dos Deuses, o champanhe é a mais humana de todas. Talvez seja por isso que é também aquela que mais está associada a momentos de felicidade mundana.
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