Fandango na desencuba do cabernet
Fernando Chalana, o grande Benfiquista, anda longe de se lembrar do dia em que aceitou pousar para a objectiva do Sr. João. Este, contudo, tem nesse retrato um tesouro. Ambos mais novos, franzinos, cabelo encarapinhado e farto bigode. “Digam lá que não somos iguaizinhos?” pergunta o Sr. João a cada estagiário que faz questão de levar numa visita guiada à sua caixinha de tesouros que guarda, sem grande cuidado, à entrada da adega E da Quinta da Alorna.
Figura peculiar. Não se pode de todo afirmar que é um homem do seu tempo. Parece saído das histórias que as minhas avós contavam sobre o antigamente da campina Ribatejana. Rude nas formas de expressar e de estar, ao mesmo tempo cuidadoso em manter postura educada à frente de estranhos. Trás consigo as marcas das escolhas que fez e dos empurrões que a vida lhe deu.
Chega cedo pela manhã no seu transporte de sempre. Uma bicicleta pasteleira preta que manobra tão bem ou melhor que eu a minha BTT. Já trás as galochas calçadas para não perder tempo em vestiários e a coisa resume-se a estacionar a bicha, passar em revista alguns itens no relicário e apresentar-se ao Mário, o Chefe dos Adegueiros, a pedir trabalho.
Foi com esta gente que dei os primeiros passos numa adega e, é a esta gente, que devo a abordagem apaixonada à causa do vinho. Passei naquele ano histórias incríveis que, se houver engenho, aqui as irei contando. Mas sem dúvida as façanhas do Sr. João, o Chalana da Alorna, merecem abrir as hostilidades.
Amante do folclore, toca cana e dança o melhor fandango que já vi (e acreditem que um tipo nascido e criado perto da campina viu dançar muito, mas muito fandango).
A particularidade aqui é que o vi dançar, a primeira vez, dentro de uma cuba de 30 000L durante uma desencuba de Cabernet. Não acreditam? Vejam o pequeno video que se encontra aqui a baixo e já comprovarão.
Lavagens é com ele. Imagino-o a chegar com o seu casaco de impermeável verde a arrastar as galochas onde cabem pelo menos o dobro das pernas tal é a secura daquele corpo que ainda assim não se verga. Quem o vê andar, principalmente ao final do dia, talvez um pouco mais inebriado pela rudeza da jorna, ou não! Não dirá os movimentos de gato que aquele homem é capaz de fazer quando solicitamos: “Oh! Sr. João. Vá lá uma fandangada aqui para a menina ver como é isto de dançar no Ribatejo!”
E ora tomem lá. Era assim que saia. João que, dentro das suas galochas dava um show inesquecível.
Foi em 2004 a minha mítica vindima na Quinta da Murta. O Sr. João, dadas as contingências da vida, já não trabalha lá, mas a chiadeira da velha pasteleira ainda se faz ecoar nos meus ouvidos cada vez que arranjo desculpa para ir cumprimentar os bons amigos que por lá fiz.
Grande Sr. João.
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