Colheita tardia – Falhanço #1

Corre o ano de 2009. Cansado de estar bem, de não ter nada que me atormente a alma, decido, como sempre juntar umas vides para acalentar de forma dolorosa os meus grandes pés.

Um colheita tardia de arinto? Porque não?
A pedido, deixam-me dois bardos (leiras, filas, linhas de videiras,...) por apanhar. Visitas semanais revestem-se de emocionante expectativa.
O tempo passa bem, as uvas aloiram, a prova dos bagos antevê sucesso. Ahhhh! Momentos de glória no horizonte. Que grande vinho sairá daqui.
Dia de vindima, mobilizado o pessoal, duas pessoas pois claro, que dois bardos se apanham num pestanejar.
Fim da manhã, Raisa e Igor Bocov, gente de alma enorme, entram na adega com a preciosa vindima. Sorriso na cara. Satisfação na alma. Dever cumprido.
Olho para o amontoado de caixas incrédulo. 10 caixas? Mas eu não tinha já dito que não quero  uvas na vinha depois de apanhadas? Onde estão o resto das caixas? Como? Resto? Não…. Está aqui toda a uva. O quê? Impossível! Isso não chega nem para sujar o desengaçador. Estou tramado (com f que da adega para dentro não há cá 9 horas com a linguagem).
Não sei se por resiliência ou estupidez. Talvez por ambas. Continuamos. Há que respeitar a manhã de trabalho daqueles preciosos companheiros.
O mosto conseguido não chega para meia quartola (225L). Não faz mal. Fazemos tudo como deve ser feito e depois vamos decidindo na medida que for preciso.
Fim da fermentação. A prova dá-me pena da burrice de não ter deixado o dobro das uvas. Poderíamos ter feito uma coisa gira. O que fazer? Atesta-se com vinho branco da cuba e depois logo se vê o que se faz. Não há projectos para esta barrica. Não há expectativas. Acabou a sua utilidade.
Passam alguns meses e a dita continua abandonada. Uma análise periódica para garantir que está tudo bem e é tudo, nem sequer o nariz se lhe encosta. Talvez vingança pelo meu próprio erro. Algum azedume pela rasteira natural. o Homem é tramado nestas coisas do auto logro.

A visita de um colega leva-me a mostrar tudo o que se tem passível de prova. Vamos à barrica. Um esgar de gozo. Vou lixar o gajo. Nunca vai adivinhar o que está aqui. Nem é preciso. O amigo diz-me imediatamente que aquilo, seja o que for, é muito bom, diferente do que conhece, notas fortes de toranja, laranja cristalizada, uma volatilidade aromática intensa. "Não sei o que é isto , mas é bom." Eu próprio fico admirado. Mas…. Mas….
Considero-a no lote do próximo clássico. Por maldade, em desafio, para provar definitivamente que aquela barrica é um erro. Raios partam. O resultado é muito bom. A sua inclusão no lote dá-lhe complexidade, profundidade, diferensiação….. Eh pá!
Ele há coisa do cacete não há?

Comentários

Janeiro disse…
Hugo,
Por amor de Deus. Deixa-me provar isso :)
Anónimo disse…
Fantástico e compartilhado, muito bom mesmo.

Um abraço alemdovinho
Carla Reis disse…
OH Hugo... vais me desculpar..mas só acredito vendo!! A que horas passo por aí?? hehehehehe
Hugo Mendes disse…
Meus caros,
obrigado pelas palavras.
para provarem isto têm de provar o Quinta da Murta Classico 2009. está todinha lá dentro,....lol!
Cuca disse…
Eu sou um fâ incondicional de vinhos de "sobremesa"...vou querer provar a próximo :-)
Elias Macovela disse…
Hugo,

Ontem passei por aí e não me deste a provar essa coisa fantástica, hein? Para a próxima não escapa!

Abraços
Jojojoli disse…
Hugo, na nossa visita de sábado ia-te perguntar para quando um colheita tardia, mas depois meteram-se outras perguntas pelo meio e passou-me. Engraçado vires agora falar no assunto.


Cumprimentos,

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