2009? Não... não se vendia. È muito velho!


Feriado. Chuva "que Deus a dá". Livros novos para explorar. Ideias para organizar. Uma vista fantástica para o diluvio que cai lá fora e.... 
Pensam que aproveitei?
Nada! Um convite para almoçar, mesmo em cima da hora, pôs as tropas em movimento rápido cá por casa. Tive de ceder.

Cá para os meus lados, quando se quer comer boa comida e pagar pouco, ruma-se a Almeirim. Há para ali uma infinidade de restaurantes do tipo "cantina", com boa comida e ingredientes razoáveis.  O serviço de vinhos é geralmente mau, mas em contrapartida, os preços são bastante toleráveis.
A escolha do restaurante (pelo menos para mim!) é quase como as predileções clubísticas. Tal como sou do Benfica, tenho preferência pelo Forno. Apenas porque sim!

Comeu-se bacalhau dourado e polvo à lagareiro (no Forno não sabe a polvo cozido) e para acompanhar, procurei na carta (melhorada, pelo menos na apresentação das referências, mas ainda assim pouco ousada!) um vinho branco com idade e madeira. Entre as possibilidades, apareceu-me um que parecia conseguir cumprir a função. Um Fiuza Primium feito com as castas Chardonnay e Fernão Pires na colheita de 2009. 
Neste tipo de pratos gosto sobremaneira dos amanteigados dos Chardonnays com o toque, mesmo que leve, da madeira. (O amanteigado vem essencialmente da batonage, não da madeira. Este pode ser conseguido em cuba, embora com o tempo em garrafa tenham depois tendência a puxar para os queijos mais do que para a manteiga e massa de bolo)
Não tenho especial predilecção pelos vinhos deste produtor - embora respeite e reconheça a qualidade e o bom trabalho nos seus produtos - e por isso desconheço as particularidades das suas referências. Perguntei a quem nos servia se aquele vinho teria estágio em madeira. Respondeu-me terminantemente que não (e com um ligeiro esgar de troça), que isso de meter os vinhos em madeira era coisa de vinhos tintos, mas que ia ver! 
Começamos mal! Fico logo em brasa quando alguém conhece tão bem os vinhos brancos e a forma de os fazer!
Trouxe a garrafa e confirmámos que de facto, tinha qualquer coisa no contra rótulo que indicava a passagem por lá, pela madeira! Decidimos arriscar. Os copos é que não estavam à altura do vinho. Pena!
Acabou por me surpreender pela positiva. Mostrava muito mais o Chardonnay que o Fernão Pires (o que não será de estranhar já que estas duas castas têm tendência a evoluir em sentidos opostos). Untuoso e com peso, apesar de não se notarem os 14% de álcool.  A manteiga e o "cremoso" a aparecer junto a um ligeiro doce que atribuo à madeira. A acidez estava lá, sem deslumbrar, mas a aguentar o barco com bastante garbo. Estava de facto bom e por uma módica quantia de 7 euros e qualquer coisa. Acima de tudo, combinou na perfeição com os pratos escolhidos.

No fim do almoço decidi visitar a loja do produtor, que é ali ao pé, e comprar 2 ou 3 garrafas para mostrar à malta enófila com que costumo reunir-me. Estava fechada. Sexta-feira Santa.Não desisti! 
Fui a uma das pequenas lojas de vinho que há por ali e pedi o vinho. Não tinham. Olhei para a estante e vi apenas as mais recentes colheitas. As entranhas revolveram-se. Perguntei ao Sr. da loja se havia motivo para isso. Respondeu: "Sabe... 2009... já é um risco grande! As pessoas não compram". Disse-lhe que fazia também parte das suas funções educar os consumidores. O Sr. respondeu-me já meio agastado que não poderia tirar-lhes o dinheiro do bolso. Não valia a pena insistir, percebi que ele não iria tentar "impingir" uma verdade que não acredita. Saí irado e fui a outra loja. Só tinham o 2010 e ao preço do restaurante (como?). Fui a outra, só tinham o 2011 (também ao preço do restaurante). Sai e desisti, não fosse correr o risco de  encontrar o 2012  e perder totalmente o interesse pelo vinho. Em absoluto!
Neste périplo, informaram-me que na loja do produtor o vinho está entre os 5 e os 6 euros. Um pouco de reflexão leva-me a concluir que(talvez pela forma de pensar do ambiente envolvente), se no restaurante se vende a este preço,pode também  ser porque querem despachar o stock (não tem de ser, este restaurante pratica uns preços muito justos para os vinhos!).

Meus caros! 

Os vinhos brancos, hoje, já não merecem este tipo de desconfianças.
E que bem  saberia, se os responsáveis por fazer chegar os vinhos aos consumidores, soubessem  mais sobre as maravilhas de um bom e respeitável vinho branco de 2009.



Comentários

L. disse…
pois... mas não posso censurar o senhor da loja. a maioria dos clientes não são clientes à partida "educados" dentro do vinho, e não estão muito receptivos a muita insistência da parte de quem vende, nem a "formação". até porque regra geral também têm a carteira apertada e olham isso de "experimentar" algo desconhecido, como um branco ligeiramente mais velhos, como um risco e uma despesa. poderão ficar com a ideia na cabeça e talvez futuramente colocar a hipótese... mas sempre sem a colocar como prioridade. só o público já mais ... "enofilizado", digamos, embarca. e quem vende não pode de forma alguma correr o mínimo risco de ver o cliente sair porta fora desistindo de levar uma garrafita que seja. o ponto de vista do comerciante é sem dúvida este e não podemos censurar. é uma uetão de sobrevivência, mais ainda hoje em dia.

alguns são muito bons mesmo novinhos... outros até pedem dez anos se for preciso... mas isso é um tipo de cultura do vinho que no "grande público", nas "massas", não existe.
Hugo Mendes disse…
Meu caro L.
Se existe aqui um problema, parece-me que é a ignorância de quem vende.
Não censuro que nenhuma casa tenha os produtos que os consumidores querem comprar. Censuro, isso sim, que muitas destas casas, tendo muitos anos de existência, sendo detidas por pessoas que conhecem muito bem os produtores e os produtos, na maioria não entendam nada de vinho. Contudo, acham-se especialistas. Pois eu digo que são especialistas do preconceito e da ignorância.
O que tentei demonstrar aqui foi apenas que me apercebi (posso estar errado, admito!) que eles não arriscam em vinhos brancos com mais idade, não porque seja um risco de vendas, mas porque têm enraizadas as ideias vetustas de que o vinho branco, ou é do ano ou terá de ser rapidamente vendido ao desbarato porque se estragará rapidamente.
O equilíbrio poderia passar por ter algumas coisas mais velhas e de valor seguro que se apresentavam como alternativas viáveis para que estivesse disposto a receber o ensinamento. Mas eles não podem ensinar sobre o que não acreditam.
Não adianta que andemos para aqui a apregoar a forma correcta de servir vinhos, que enunciemos as maravilhas dos vinhos velhos ou de diferentes origens, se no fim, quem comunica e vende ao consumidor continua a ter o mais profundo e inconsciente desprezo pela bebida, olhando apenas para o lucro.
È trabalho de curto prazo e… mau, por sinal!
Todos temos de ganhar dinheiro, é certo. Mas caramba, não podemos todos faze-lo com competência?
L. disse…
tudo bem... mas memso havendo alguma cultura vinica de quem vende, posso dizer que a receptividade do cliente é muito reduzida. so o cliente a partida ligeiramente mais informado e interessado nos dá esse credito. uma minoria.

e ainda pode piorar. basta avançarem com a ideia peregrina do vinho com iva a 23%...
Hugo Mendes disse…
Eu acredito que a “formação do consumidor” é uma obrigação de todos, não só de quem vende vinho. Que isto fique claro.
Durante demasiado tempo se andou a “vender” as ideias que hoje tão mal fazem e, arrisco-me dizer que a culpa é mais nossa (produção) que propriamente do trade.
Mas há que inverter caminho e estou convencido (embora admita que possa não estar certo!) que a formação do trade é uma responsabilidade inerente à função.
È verdade que o mercado está caótico. O aumento do IVA será catastrófico para um sector com grandes debilidades.
Pensar que poderia ser um sector estratégico para o país.
Não entendo esta capacidade destruidora que temos!

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