Dia de atestos
Querido diário:
Eu sei! Tenho andado desaparecido. Não mereces isso!
È uma verdade. Que tenhas a bondade de me desculpar.
Hoje atestaram-se barricas na Murta. Especialmente as que
contêm o vinho tinto de 2014.
Sabes que há duas grandes correntes no que toca ao
acompanhamento de barricas. Grosso modo, uma defende que, com a frequência que se
puder, as barricas devem ser atestadas* e corrigidas de sulfuroso, a outra, que
se deve tocar o menos possível e fazer o mínimo de “barulho” ao vinho a descansar, mesmo que isso signifique deixa-lo em vazio** por mais tempo.
Os argumentos são imensos, ambas têm uns que me atraem e
outros que não. Por exemplo: È certo que com atestos frequentes corremos menos
riscos de vinhos estragados por contaminações microbiológicas e preservamos
melhor a cor violeta dos primeiros dias. Não
deixo contudo de teorizar que, em barricas "experientes", a maior fonte de incorporação de oxigénio é o orifício do batoque
(aquele sítio por onde entra e sai o vinho) precisamente de cada vez que se tira o vedante.
Normalmente, para vinhos que conheça muito bem, num produtor que quer estágio mais longo e com um parque de barricas conhecido, não
tenho muitas dúvidas em apostar numa sulfitação mais defensiva antes de mandar
o vinho para estágio e depois fazer atestos e correcções com frequências
menores (3 a 6 meses de intervalo).
Este é um assunto apaixonante que sozinho teria informação suficiente para
escrever um tratado. Fica-te portanto com um Lá Mi Ré dos pontos que me levam a
escolher um trabalho ou outro.
Na Murta, aposta-se em estágios mais longos, com períodos de
sossego maiores, e hoje foi dia de as “desempoleirar” e atestar. Felizmente não
foi preciso corrigir.
Os vinhos tintos de 2014 na região de Lisboa continuam a
deixar-me duvidas que o tempo confirmará ou dissipará. O ano foi duro, com muitas
chuvas a fazer parar a maturação e a adiantarem as colheitas para fugir à podridão. Acabei por
ter sorte nos produtores que acompanho. Um apanhou no pino do tempo quente e
o outro, este, elaborou o vinho com uvas muito bem escolhidas e apanhadas à mão.
Mas é ainda muito cedo para cantar vitória. Por hoje, devo ficar feliz
pelo facto do vinho estar com bons parâmetros químicos e com uma evolução favorável.
Amanhã logo se verá como ele vai crescer!
_____
* As barricas vão perdendo parte do líquido por evaporação e/ou principalmente por absorção pela madeira, pelo que, de quando em vez devem ser cheias, ou na gíria... atestadas.
**Quando um recipiente fechado não está atestado de vinho, dizemos que o vinho que lá se encontra está em vazio porque a cuba tem, precisamente uma parte do seu volume vazia de vinho.
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