O pato que o vinho pediu.
Era um daqueles dias em que te apetece ter amigos em casa, malhar numas conversas boas enquanto se bebericam uns vinhos. Roupa conformável, comida simples e saborosa, daquela que não pede grandes técnica para aparecer no prato e um ambiente tranquilo que a Buika, lá atrás com o seu en mi piel ajuda a criar.
Entradas muito básica, quase frugais para desenjoar dos queijos e enchidos costumeiro nas nossas mesas. Fui para uns tomates cherry com sal, que desde já vos digo que me andam a saber bem, têm sabor e cor, algo que andava meio perdido. Pão e broa de milho das Fazendas de Almeirim (as melhores broas do mundo), azeite ribatejano do ano, que está de sonho. Finalizei com uma pasta de azeitona preta que já me saiu melhor, muito melhor. Mas a malta comeu e gostou, o pão era bom.
Para aqui escolhi dois vinhos, o primeiro era um branco, espumante de 2008 sem gás da Murta. Eu explico. Quando fazemos o degorgement destes vinhos, lá pelo meio aparecem sempre umas poucas de garrafas que perderam gás e não podem ser comercializadas assim. Como gosto muito da evolução dos espumantes mas não sou fã de gás, peço sempre que mas rolhem e fico com elas. Neste caso especificamente pedi que me metessem uma carica em vez de rolha para estudar a diferença de evolução e a verdade é que a carica não se mostrou apropriada ao que eu procurava. O vinho ainda dá luta boa, mas o excesso de volátil no nariz fez-me despedir dele mais cedo do que contava. Mas pude tirar conclusões e reforçar aquela ideia que tenho de que Bucelas tem um potencial do camandro. Enfim...
O segundo branco foi o Pequenos Rebentos "à moda antiga" 2016 do Márcio Lopes. Tinha muita curiosidade neste vinho, principalmente pelo processo descrito no contra-rótulo. Curtimenta e fermentação em barricas usadas. O vinho é de facto mais denso e os aromas são mais contidos do que os verdes "convencionais". È um vinho mais ao meu gosto. Coisa séria, mais focada no equilíbrio e complexidade que na intensidade aromática da casta. Estou muito curioso para voltar a ele daqui a uns anitos. Vou guardar no buraco as restantes garrafas. Gostei muito dele e casou na perfeição com aquele ultimo tomatinho que se enfia na boca (calma, não se ponham a fazer piadas fáceis) durante a troca para o prato principal.
Os mais atentos acharão que agora, cá em casa não se come outra coisa que não arroz de pato. Mas também entenderão que pessoas normais, quando fazem pela primeira vez um prato de que gostam, têm tendência a repetir nas oportunidades seguintes. Não só para mostrar aos amigos, mas essencialmente para testar aquelas pequenas alterações que o prato precisa até atingir a perfeição. Por isso... arroz de pato outra vez!
O caldo do pato ficou melhor e mais concentrado o que fez com que o arroz ficasse ainda mais saboroso. A melhoria foi gritante. A Sara está de parabéns.
Curiosamente começo a não desgostar de brancos como este do Márcio no inicio do prato. Se fosse um daqueles muito secos, magros e com acidez de vinho novo talvez não funcionasse, este agiu em complementaridade e segurou bem o prato antes da temperatura baixar e os sabores se revelarem mais.
Passámos então para o novo castelão de 2015 do Vale das Areias. Um vinho que acabei por decantar (tem pouco tempo de garrafa) e que mostrou toda a fruta e elegância desta uva quando feita no registo mais simples. Nada de concentrações ou extracções excessivas. A casta pelo que ela é, sem madeira e numa vida de adega muito espartana. Estou a gostar muito do caminho deste vinho. Vamos lá ver o que nos dará de futuro.
Apesar disso, achei que não funcionou. O vinho é muito novo. Para este prato julgo que necessitamos vinhos mais evoluídos.
O porto seguro seria o vinho seguente. Um baga do Paulo Nunes. Casa de Saima Vinhas Velhas 2014. Tinha medo que ainda não se deixasse beber e que nem o decanter me pudesse ajudar. Enganei-me. Se por um lado se nota que os próximos anos lhe farão maravilhas, essencialmente para as notas mais crescidas e reveladoras da região, por outro lado, achei o vinho muito equilibrado e com os elementos em harmonia. A fruta clara e bem definida e todo o resto sem excessos ou elementos que me causassem desconforto. Taninos arrumados (não tem aquela sensação de cortiça). Acabo por gostar muito da forma como ele se apresenta agora.
Acima de tudo, esteve muito bem com o arroz de pato, deu-me um prazer enorme e não vejo outra função para um vinho que não essa.
O Ultimo vinho da noite veio para a mesa para acompanhar uma tentativa de doce de amêndoa que não correu bem. Paciência, a vida é mesmo assim! Temos de falhar para aprender a acertar. Castanhas assadas eram o plano B, mas aqui também não correu melhor. Compradas a 5€ o Kg no Continente, conseguimos comer 25% visto as restantes estarem podres. Uma vergonha.
Carcavelos da Quinta dos Pesos, um vinho que tem deixado os enófilos loucos de paixão, nesta feita na colheita 1991. È a segunda vez que o provo e tenho sempre a impressão de que o vinho me dá sensações de gemada frita (isto existe? Sei lá, mas conseguem imaginar a que cheira o filho da gemada com o ovo mexido?) misturada com azeitonas pretas oxidadas (desculpem o preciosismo da descrição, mas é o que sinto). Ora bem, isto leva-me claramente para estágios (possivelmente com borras) em madeiras oxidadas. E isso deixa-me enjoado e sem capacidade para apreciar convenientemente as outras características do vinho (nem a salinidade fora do comum me consegue desviar a atenção).
A verdade é que não restou gota. Haviam mais duas pessoas a beber e vi-os servirem-se abundantemente de cada vez que pegavam na garrafa. Não tenho duvidas de que, se mais houvesse, mais se bebia. Perguntei o que achavam e ambos me responderam: "isto é muito bom. Tens mais?"
Acaba por ser daqueles vinhos em que um defeito passa a característica diferenciadora e identitária. Tem pelos vistos muita gente que gosta dele assim e isso basta-me. Eu é que não consigo!
O balanço foi claramente positivo. Mais uma noite para figurar na galeria dos prazeres.
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