O poder da ilusão... outra vez!
Não tenho nem nunca tive a veleidade de me julgar infalível. Há muitos anos que aceitei, de peito aberto que o vinho é um elemento de prazer e que todos os inputs que fizerem aumentar esse prazer, desde que legais, são bem vindos.
Ora bem: Na semana passada, visito de fugida um determinado restaurante para cumprimentar uns alegados amigos que se encontraram para saborear as iguarias locais enquanto debitavam elegantes disparates sobre vinho. Um bando de ignorantes com mais dinheiro que juízo, que se juntam amiúde para debitar informações (muitas delas irrelevantes) que decoraram das fichas técnicas dos vinhos enquanto os bebem.
Chegado lá fiquei meio atónito. Mesa grande e um numero de palermas maior do que esperava inicialmente. Ao lado, uns amigos que não via há tempos e por ali, o meu filho Felismino, vindo do treino de futebol, começava a olhar para os pés das cadeiras tentando distinguir a elegância redonda que um paralelepípedo pode ter.
Estava distraído, atordoado, emocionado até. Cumprimentei os palermas e troquei abraços com os meus amigos. Nisto, há um (dos palermas, não dos meus amigos) que me dá um copo de uma zurrapa que por acaso é feita por um outro amigo meu. Muito se tem discutido sobre o excesso de madeira deste vinho e do quão desagradável está para aquelas orquídeas sensíveis. Cheirei o vinho... Nada da madeira da prova anterior (provei o vinho há menos de um mês). Fiquei admirado... "olha, que evolução...", mas associei ao momento, à temperatura, à desatenção ou a outro factor qualquer que não a minha inutilidade para a prova. Isso nunca!
Na boca senti uns amargos que me desconcertaram e imediatamente pensei... haha, aqui está a puta em grande! Fiz um esgar, embora sem o contorcionismo da dor, e sem contemplações olhei para o gajo que me havia dado o copo e proferi qualquer coisa como "Foda-se... isto está carregado!". Abandonei o copo com a teatralidade devida de um guru com as papilas em agonia e abalei para outro cumprimento. No regresso todos se riam e ainda me perguntaram. "Não gostaste deste vinho?". ao que respondi sem hesitar: "Não pá! Isso não é mesmo a minha cena".
Acontece que o vinho não era o que dizia no rótulo (quantos serão?) mas sim o Quinta da Murta Colheita 2012. O Bandido havia despejado a garrafa e metido lá aquilo. Pior é que eu sabia que ele ia fazer aquilo, só não sabia qual era o vinho que iria escolher.
Ora bem, a moral desta história, para além do poder de sugestão (já o havia provado aqui) é que ajuda a confirmar dois facto. Um em que eu não acreditava mas pelo qual sou "famoso". Outro com o qual nunca me tinha confrontado:
1) Eu "digo mal" dos vinhos todos. Tenho de admitir que esta história me dá pouco espaço de fuga.
2) Muitos dos vinhos que ajudo a fazer (lembro-me dos Murta colheita e dos Carrafouchas brancos), principalmente aqueles que têm trabalho com borras finas, deixam uma sensação que muitas vezes associamos à madeira. Concluo que é pelo trabalho, não tanto pelo impacto da própria.
Sobre o vinho convém dizer que o Colheita 2012 apresenta esses amargos sim, na abertura da garrafa. Precisa de copo ou decanter para abrir completamente e dar todo o prazer que procuramos.
Hoje voltei a prova-lo, e o facto é que adoro o vinho. Para explicar o que se passou teria de malhar na prova cega e mais no cuidado de serviço e mais na disposição para a prova e mais... ah, não me apetece mesmo. Vou mas é acabar de mamar a garrafinha.
E assim foi a história de como fui apanhado a dizer mal de um vinho "meu".
"Cá ganda" Jack... oh Mendes!
Comentários
O mesmo vinho, proporciona diferentes percepções, dependendo de múltiplos factores. Muitas vezes tão somente o contexto em que é saboreado.
Mas concordo com parte do que está escrito. O mundo do vinho tornou-se demasiado "cagão" para o meu gosto.
Perdeu espontaneidade, sinceridade e simplicidade, tendo adquirido demasiada...sofisticação. Atraiu imensos/as expert's. :-) :-) :-)
Mas o problema é meu, que não me soube adaptar aos novos tempos. :-)
É o mal de muitas coisas que viram moda.