Festival Nacional de Gastronomia de Santarém, 40 anos.


Santarém tem, desde que me lembro, dois momentos no ano que transformam radicalmente a cidade e a sua vida quotidiana. A feira da agricultura (vocês chamam-lhe feira de Santarém) e o festival nacional de gastronomia.
Este segundo, para a malta da minha geração representa quase um rito de passagem para a vida adulta. Quem não guarda na suas memoria as faustosas (em consumo de vinho carrascão barato que não havia cá dinheiro para grandes banquetes) jantaradas, com momentos de convívio únicos a acabar apenas com o raiar do dia, a comer pão acabado de fazer na Ti Claudina ou... não se pode contar tudo! eh eh eh! 

Embora tenha uma visão muito parcial dos factos, julgo não me enganar quando afirmo que este foi um dos mais importantes certames nacionais no que à gastronomia diz respeito. Digo foi porque a meu ver já não é. Como tanto que temos em Santarém, até as mentalidades, ficou cristalizado no tempo, não soube ou não quis acompanhar a evolução do sector, não soube ou não quis incorporar as novas abordagens e não soube ou não quis perceber que o consumidor não é o mesmo, não tem o mesmo estilo de vida nem os mesmos desejos de há 40 anos. Isso relegou-o para uma posição mais folclórica do que realmente importante.

Até que, na cidade começaram a aparecer propostas que desafiam o tradicional e vetusto conceito de gastronomia mais à forma como o consumidor experiência ou se relaciona com a refeição. Fruto disso, nos últimos anos, tem havido uma tendência do festival para uma convergência com outras abordagens gastronómicas, transformando-o, modernizando-o e fazendo com que esteja a ganhar nova vida e possa muito em breve ambicionar reganhar o papel de relevo e importância que lhe é devido.


Foi precisamente essa vontade que senti no dia 17, na apresentação do festival, na casa do campino, a casa mãe do evento.
Em 2020 celebram-se 40 anos de festiva, nas palavras do presidente da câmara a organização pretende transformar Santarém  n' "o maior e mais diversificado restaurante de Portugal". Haverão muitos eventos espalhados pelo ano até que chegue Outubro e o festival, julgo que a agenda será partilhada aqui.

No almoço de apresentação, vi com o maior prazer e orgulho escalabitano boa parte dos restaurantes da cidade representados, cozinheiro de todo o país também acorreram à festa. É muito bom quando se percebe que todos têm a ganhar com o sucesso deste tipo de iniciativas. Unidos seremos sempre mais fortes e capazes do que cada um para seu lado. Acredito que juntar todas estas atarefadas pessoas não seja tarefa fácil e isso em si é já uma vitória muda mas estrondosa para a organização. Muitos parabéns. 
Deixo apenas uma nota de "a melhorar" para a necessidade de ser entendido de uma vez por todas que o vinho não pode ser remetido para a condição de ingrediente. Senti falta dos agentes ligados ao vinho na plateia e alerto tanto organização como produtores* de que gastronomia hoje não é só sobre o que se come, é também sobre o que se bebeQue ninguém leia isto como uma critica aos vinhos servidos, a Adega Cooperativa do Cartaxo (ACC) esteve presente e julgo que os seus vinhos cumpriram muito bem com o que lhes foi pedido. Pode ser apenas um trauma meu, é natural que seja, mas fico muitas vezes com a sensação de que o produtor de vinhos (coniventemente) só lá está quando é preciso aligeirar o valor da conta.

Sobre o almoço, quero deixar uma nota mas antes tenho de fazer aqui o disclaimer: Sou amigo do Rodrigo Castelo, um fã confesso da sua cozinha e frequentador do seu restaurante, a Teberna Ó BalcãoQuem me conhece sabe que isso não faz de mim mais cego mas sim mais exigente. 
Já tinha provado os pratos servidos e tenho a dizer que o bode capado estava maravilhoso mas a carpa com açorda de ovas de barbo estava como nunca a comi. A expressão técnica é esta, perdoem-me o "regionalismo": 
Estava do caralho!
Tudo isto regado, como disse em cima, pelos vinhos da ACC, na minha mesa, alicante bouchet e touriga nacional. Achei que o alicante (essa casta tão ribatejana)  foi melhor com os pratos, mas confesso também que é muito difícil uma touriga fazer-me feliz. Para a sobremesa combinaram-se umas miniaturas da Bijou com aquele que me parece ser o melhor colheita tardia que provei desta adega se admitirmos de uma vez que Portugal não é cá país para grandes vinhos botritizados.


Por tudo isto, entre 16 de Outubro e 1 de Novembro de 2020, convido-vos a visitar Santarém e o nosso festival de gastronomia. Não se arrependem, garanto-vos.

Nota: Fotos usadas a partir da página de facebook da viver santarém
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*porque efectivamente desconheço os motivos da sua ausência.


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