Wine & Whine Episódio 2 - O estágio que mudou a minha vida
Lá para o final do 4.º ano, percebi que trabalhar em investigação, em Portugal, era complicado e que os resultados possíveis não me pareciam entusiasmantes. Para fazer algo que realmente valesse a pena, teria de sair do país e isso estava completamente fora dos meus planos. A minha namorada tinha terminado o curso e queria casar. Eu estava cansado do stress de ser aluno bolseiro e arrepiava-me a ideia de construir uma carreira assente nessa incerteza. Em mais uma nota de ironia, o factor que mais me fez desanimar foi a consciencialização de que não é de todo a carreira meritocrática que tinha romanceado até aí. Por isso, comecei a procurar alternativas. Como o meu curso tinha uma boa base para a indústria, decidi abrir a porta e testar essa via.
Acontece que, nessa altura, dois amigos que já andavam nisto dos vinhos há mais tempo desafiavam-me constantemente para visitar adegas: o Zé Condeço e o Nuno Tavares. O Nuno tinha (e tem) uma paixão enorme e uma curiosidade inesgotável pelo vinho. O Zé Condesso soma a isso o facto de conhecer praticamente toda a gente das adegas do Ribatejo (nome pelo qual a região do Tejo respondia na altura). Invariavelmente, combinávamos um dia, juntávamo-nos e lá íamos, com o Zé a trazer sempre um pão e um queijo para a bucha. Depois, quem nos recebia tratava dos copos e do vinho, e assim passávamos momentos incríveis a viver esta paixão. Às vezes, levávamos um ou outro convidado extra. Um deles, em particular, o [imprevisível] Sr. João Calais, proporcionou-nos histórias que dariam para um livro só dele. Assim eu tivesse o talento para as relatar como merecem.
Foi numa dessas visitas que acabámos na Quinta da Alorna, em 2004. Fomos recebidos por uma jovem enóloga que ali tinha chegado há meia dúzia de meses: Martta Reis Simões. Confesso que não me lembro muito bem da visita, mas recordo-me de que, a certa altura, ela nos explicou que todos os anos, durante a vindima, recebiam estagiários, estudantes que ajudavam na adega em troca de uma pequena bolsa e todo o conhecimento que conseguissem levar para casa.
Para mim, trabalhar no verão era essencial, pois precisava de amealhar dinheiro para os primeiros meses do ano letivo, sobretudo até chegar o dinheiro da bolsa. Até então, passava as férias a trabalhar numa empresa de prestação de serviços, a Leta, sobretudo em tarefas menos nobres no centro de produção da cervejeira Unicer, em Santarém. Ganhava mais, mas aprendia menos. Decidi arriscar. Pelo tal livro que queria escrever, para um maior entendimento sobre o que lia nos livros ou, quem sabe, para perceber se aquele poderia ser um caminho a explorar.
Não cabem aqui os relatos dessa vindima (talvez conte alguns episódios lá mais para a frente), mas posso assegurar que foi uma experiência incrivelmente transformadora onde conheci pessoas fantásticas, muitas delas com quem ainda mantenho amizade e por quem tenho muita consideração.
Nunca fui propriamente um tipo fácil, mas ainda hoje me pergunto como a Martta e o Nuno Cancela de Abreu conseguiram, no meio de todo aquele stress, manter a calma e arranjar sempre disponibilidade para as minhas inúmeras questões e dúvidas.
Fiquei apanhado pelo beiço. Percebi que era aquilo que queria fazer para o resto da vida. Até ali, fascinavam-me todos os processos entre a uva e o copo. Naquela vindima, percebi que retirava um prazer imenso de pôr os meus limites à prova, sobretudo os físicos. Nem imaginam como certos dias podem ser duros durante a vindima.
Se tivesse de me definir — e ainda bem que não tenho — diria que sou um criativo. A mim, não me dá prazer nenhum estar numa empresa onde tudo já foi criado, onde o meu papel se resume a manter e não deixar estragar. Gosto do desafio do desenvolvimento, de pegar num problema e resolvê-lo, da liberdade de testar, errar e progredir até chegar a soluções sólidas. Sou viciado no prazer da conquista e no esforço de longo prazo. Sou mais um maratonista do que um velocista. Sempre fui e sempre serei.
Olhar para o panorama nacional e para o Tejo (na altura ainda Ribatejo) em particular. perceber o enorme potencial que ali estava, disponível para ser desenvolvido, deu-me o fôlego final para decidir, sem qualquer margem para dúvidas, que queria ser enólogo e ajudar aquela região a mostrar todo o seu potencial.
Curioso como essa mesma certeza me levou, anos mais tarde, a cometer um dos maiores erros de precipitação deste projeto. Mas isso é uma história para outro dia.
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