Wine & Whine - A Regular Guy's Journey - Episódio 1 - Génesis
Venho de uma casa simples, numa zona humilde de Santarém, a Ribeira de Santarém. Na minha família, nunca houve quintas, vinhas, tratores ou adegas. Nada herdei. Felizmente, nem dívidas.
Sou também o primeiro da família a dedicar-se profissionalmente ao vinho. O mais próximo que tivemos foi um avô e uma bisavó alcoólicos. Não sei se conta. Conta?
Sou enólogo por paixão e produtor por necessidade. Este projeto nasceu da vontade de fazer, não de ter. Comecei com pouco mais do que uma enorme determinação e um punhado de amigos que, nos momentos certos, quiseram e puderam ajudar a materializar este sonho."
Há já algum tempo que me apresento assim, e diverte-me sempre muito. Não é que tenha um orgulho especial nesta condição de “berço” (quem é que se orgulha de ter nascido pobre?), mas, não tendo qualquer poder de veto sobre as circunstâncias do meu nascimento, aprendi a aceitar os factos e a vê-los como parte daquilo que sou. Ganhei-lhes um certo carinho e faço por transformá-las em forças.
O mundo do vinho continua a [parecer] ser um lugar onde as raízes mais valorizadas não estão nas vinhas, mas nas árvores genealógicas. Parece que ter um sobrenome com alguma poeira histórica, conseguir uma vaga ligação à Ferreirinha ou um brasão desbotado confere automaticamente “autoridade” e licença para fazer vinhos.
Claro, não é obrigatório ter um palácio no Douro ou um avô que pisou uvas descalço em 1870 (todos sabemos como os donos de palácios em 1870 adoravam pisar uvas descalços). Mas ajuda. Ajuda tanto quanto uma boa conta bancária ou um mínimo de um milhão de EBITDA. Às vezes, até mais.
O mérito? Esse parece ter um lugar reservado, mas nem sempre é à mesa principal.
Quando penso que alguma inspiração a minha história pode deixar, será esta: a de não ter de aceitar que as condições em que nascemos definam a ambição ou limitam os sonhos. O que importa são os tamanhos da vontade, do trabalho e do sacrifício que estamos dispostos a dar pela sua concretização. (imagine só a barraca que será se no fim isto falhar.)
Em suma, não sou responsável pela condição em que nasci. Ninguém é. O que me compete, isso sim, é lutar pela condição em que vou morrer.
Curiosamente, nunca pensei fazer algo relacionado com vinho. O meu caminho foi, desde cedo, marcado por uma paixão pela ciência e pelo conhecimento. Sempre quis deixar uma marca relevante na humanidade (qual é o mal de ser grandioso nos objetivos?).Depois de um percurso escolar atribulado e a perder fôlego à medida que os anos de universidade se aproximavam, entrei em Engenharia Biotecnológica e, ao fim do primeiro ano, senti que tinha encontrado a minha missão: descobrir a cura para o cancro. Essa doença que sempre odiei e que me tira o sono desde a adolescência.
O vinho, na altura, não passava de uma curiosidade que comecei a alimentar aos 18 ou 19 anos, mas sem grande convicção. Gostava de perceber o que bebia. Lia as revistas da época e, quando entrei na universidade, em 2000, comecei a comprar livros sobre o tema. O primeiro foi “Enologia”, de Colette Navarre. Já aí se notava o meu interesse pelo processo de produção mais do que pelas nuances da prova.
Não resisto a partilhar um episódio:
Corria o ano de 2001 ou 2002. Estava profundamente apaixonado pela biotecnologia, mas também me fascinava ler sobre vinho e tentar compreender a sua complexidade. A química dos fermentados deliciava-me, mas achava que os livros disponíveis não estavam escritos para pessoas como eu, curiosos que queriam entender o processo, mas de forma mais simples.
Percebi que havia espaço para um livro assim: uma espécie de manual de enologia descomplicado, para enófilos. Decidi que seria eu a escrevê-lo.
Comecei a pesquisar e enviei alguns e-mails. Um deles foi para o, hoje, meu amigo Virgílio Loureiro. Não me lembro ao certo do que escrevi, mas falava-lhe da ideia e pedia sugestões de leitura para estruturar o livro. Esperava uma lista de referências e artigos para devorar sozinho,sempre fui autodidata e gosto de trabalhar assim.
A resposta foi rápida, mas não o que esperava. O Virgílio achou a ideia interessante e convidou-me a visitá-lo no ISA (Instituto Superior de Agronomia) para conversarmos melhor e definir como poderia ajudar.
Assustei-me e fugi.
Não sei bem porquê, mas desconfio que foi o medo do compromisso que isso implicaria. Até hoje me pergunto: “E se tivesse ido?”
Quanto ao livro… ainda não está escrito.
O esqueleto existe. O conceito está definido. Alguns temas até já têm textos prontos. Mas, sendo honesto, nem 5% do que tenho na cabeça está no papel.
Um dia, quando o tempo voltar a sobrar, volto a ele. Prometo.
Por agora, continuo focado neste projeto.
Por hoje paramos aqui. No próximo episódio falaremos do "estágio que mudou a minha vida".
Até lá, tenha uma boa semana.😊
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